quinta-feira, 30 de junho de 2011

#14

Ele olhou e naquele momento teve a certeza. Arrependeu-se de tudo que havia não dito. Tentou perceber de onde viera aquela imbecil ideia de que poderia viver só. Remendou com fita crepe uma a uma as lembranças que há tempos rasgará na própria cabeça. Imitou a si mesmo dizendo o nunca mais como daquela vez na frente do espelho, agora sem o mesmo jeito. Emudeceu enquanto na verdade queria gritar e cuspir e xingar. Não conseguiu respirar e aos poucos ficou lá, desmanchando-se. Maldito olhar cruzado, pensou. Talvez se eu apenas nunca mais a tivesse visto, quem sabe. Mas o agora já era tarde demais e esse mesmo agora trouxe tudo que possivelmente já estava embaixo do tapete. O olhar foi o vento entrando pela janela e espalhando pela casa todo aquele pó, de novo. Maldito pó. Talvez se ele apenas tivesse ficado lá, pra sempre. Mas não. Ele preferiu gostar do vento e se fazer redemoinho. Redemoinho de pó, vento e amargura. A amargura danada dos que pensam porque perderam. E logo agora que estava acostumado. É. Devia só ser o tal do destino mesmo.

#13

Olho ao redor. Pareço feita para não estar ali. Vejo as letrinhas saindo do ouvido oposto ao que entraram. Imagino tudo, menos como saber determinar o coeficiente de flambagem correspondente a vinculação da peça poderia me servir um dia. E inútil mesmo é toda aquela minha atenção. Perco tempo não a tendo e mais tempo ainda por não a ter.

terça-feira, 28 de junho de 2011

#12

Nós não queríamos ter nada haver com aquilo e juntos éramos como uma conversa de mãos dadas. Seguimos andando, assim, com todos os anjos conspirando contra nosso favor.

#11

De tão livre, fez-se meu. Tu na tua tão infinita grandeza me entregou o que de mais precioso pôde. Então fez inferno e paraíso. Invadiu-me pelos olhos e quando entrou arrastou consigo algo equivalente ao infinito. Fiz-me sua morada. E tu fez-se de mim. Pois tu cativas tudo aquilo pelo que te tornas responsável. Sou tua. Não mediocremente, hipocritamente. Sou tua porque meus pensamentos seguem os teus. Sou tua porque minhas vontades andam acompanhadas das tuas. Digo então que talvez, apesar de meu, continue livre. Livre pois sente. Meu, pois até agora, tu foi nada além do que sempre desejei.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

#10

Todos diziam que era um gosto tê-la ali. A maioria se preocupava em fingir. E boa mesmo era a risada que ela dava. Só o olhar que, cínico, gritava dizendo nada. E tudo indica que os outros nem chegaram a perceber. Essa gente não percebe mesmo. Isso de alguém não querendo pertencer. E olha, que pra uns ela era de verdade. Mas só pra uns. Uns poucos e muito desnecessários. Ela vai continuar na noite, sabe. Sentada, de pernas cruzadas. A sua volta aquilo de sempre. Na cabeça, o nada presente. É uma pena. Realmente uma pena. Porque o querer existiu um dia. Ela era bonita. Ainda assim, sozinha. Ela teve amores. Tantos amores. E perdida.

#9

E se tudo for um disfarce? Um disfarce bobo e feio de tudo que um dia achei que amei. Eu não quero mais brincar de achar, então. Quero a cor de verdade nas coisas. Quero o que dizem que é e não esse arremedo que sinto. Se não for pedir muito, quero só o que é para ser, obrigada.

#8

Um dia ela acordou, olhou pro céu e viu. Três nuvenzinhas dispostas de modo a formar um triângulo. Puxa, pensou. Se um astronauta vai passando imagina o quê? Que a Terra não passa de uma grande bola de boliche?

domingo, 26 de junho de 2011

#7

Ela parou, respirou e viu que aquilo não passava de desnecessidade. Com o amor devidamente enterrado. Tacou as roupas na mala e foi arrumar uma carona na beira da estrada.

#6

De repente ele a viu. E por um átimo de instante nem sequer reconheceu. Aqueles olhos que tantas vezes havia feito brilhar, agora brilhavam sozinhos. Passou, pernas nuas, sorriu, cabelos soltos. A mesma risada de sempre, gesticulando como quem quer abraçar o mundo e nem o vendo parado ali. Falava ou não falava? Procurou se lembrar se havia mesmo tentado enganá-la um dia. Falou. Soou mais como um murmúrio. Estava intimidado. Ela se virou, olhou e então o abraçou com a força de muito tempo. Ficou apavorado. Preferiria tudo. Palavrões, pontapés, murros e até sangue. Mas abraço? Aquilo o desarmou. Continuava a mesma. Certamente com a velha teoria do tudo passa um dia. Deve ter sido assim. Ele deve ter passado. E agora a também velha tática da indiferença. Continuou nas tentativas frustradas de lembrar que diabos acontecera. Só lembrava que errara gravemente. Da sensação ruim. Do peso na boca do estômago. Mas como se nos olhos não havia amargura nenhuma? Ela fez perguntas. E a vida. E a família. E velhos novos sonhos. Ele respondeu. Indignado com a despreocupação e o tamanho charme com que ela o escutava. Demorou, mas ele se lembrou de tudo que ela realmente significara. Engraçado. De repente pareceu confusa. O olhar, que já parecia indiferente se mostrou mais auto-suficiente ainda. Bom, não importa. Na cabeça parecia que mil pensamentos iam se formando. Ele já não queria saber. Na verdade se perguntava porque a havia deixado, então. A única coisa em que pensava era em tê-la de volta. Esqueceriam o ponto final e fariam um recomeço. Havia finalmente se lembrado de quem ela era. Tudo agora faria a diferença. Sorriu, estendeu a mão, mas de resto, não entendeu nada. Boa sorte?


...


Ela como havia planejado o avistou. Virou para o outro lado com as pernas milimetricamente deixadas a mostra. E os longos cabelos soltos propositalmente. Ficou com medo de ter exagerado nos gestos. Deu uma gargalhada, fez que nem o viu. Depois de reconhecê-la, ele se fez de hesitante. Ela quis rir de novo. Estava funcionando. Viu nos olhos dele a dúvida e as tentativas frustradas para se lembrar que diabos acontecera. Era óbvio que não lembrava. Afinal, o mesmo tolo de sempre. Falou algo, como quem tem medo. Sussurrou, na realidade. E com aquela cara de tudo passa um dia, ela fez exatamente o que mais feriria seu orgulho. O abraçou. Com força, mas procurando se concentrar. Caso perdesse o foco, o abraço poderia se tornar um potencial prejuízo para os planos. Mas não se tornou. Ele havia errado. E isso, ela não poderia perdoar. Ou poderia? Sentiu a costumeira sensação ruim, da qual nunca se livrara. O maldito peso na boca do estômago. Engraçado. Parecia estar diminuindo agora. Nos olhos, o véu que ela aprendeu a usar em frente ao olhar. Aquele véu que escondia tudo e não deixava passar nem o amargor que sentira. Ainda sentia? Fez perguntas. Quis saber. E a vida. E a família. E velhos novos sonhos. E ouviu. Com cara de despreocupada, mas não prestando realmente atenção. É Isso. Não queria realmente prestar atenção. Não fazia diferença. É. Não fazia nenhuma diferença. Na realidade, começou a se perguntar o que fazia ali, então. Na cabeça parecia que todos os mil planos iam se desmanchando. Analisou o que é preciso para se notar o desamor. Talvez uma aproximação forçada e idealizada? Talvez. Será? Será que era ali então que finalmente notara esse tal de desamor? Seria esse então o tão necessário ponto final? Não quis mais saber. Afinal, em segundos se lembrou de quem era. Virou as costas, ainda tendo tempo de vê-lo de mãos estendidas e sorrindo, desejou boa sorte. Foi embora.

#5

Tadinho, sussurrei. Tadinho nada, no fundo pensava. O combinado não sai caro. Afinal, eu já tinha avisado. E que mundo invertido é esse em que ultimamente eu pareço estar? No tempo da mamãe as meninas é que choravam.

sábado, 25 de junho de 2011

#4

Cada um tem seu resultado na noite. Uns vão embora. Outros acordam de cara com o colchão alheio. Melhor ou pior? Não sei. Fato é que olhando de longe o saldo parece realmente positivo.

#3

Preciso que meu barco não balance, preciso que não haja nenhuma tempestade. E dane-se se a viagem se tornar menos interessante por isso. Emoção é relativa.

#2

E o homem bonito só não quis ela. Parou, pensou e não quis ela, que tinha tudo pra ser querida. Porque? Você quer saber. Motivo aparente nenhum. Talvez o olho grande demais. Ou a canela um pouco fina. Talvez a língua pulando da boca. Talvez o jeito de menina. Enfim, tudo não importa. Porque ele só não a quis. Não decretou que a embalassem e a mandassem para o Peru. Nem tampouco fez pouco dela, pois bem muito ela devia ser. É só que nessa besta vida cada um tem seu querer. E inda bem que ela é benquista por muitos outros que não ele. E inda bem que ela é danada e não morreu só por aquele. Tá certo que se tivesse escolha a escolha ia ser ele. Mas não tendo segue a vida que isso é normal, mas não é comum. De todos que vão passar ele é só o capítulo um.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

#1

E é sempre pouco o que eu decido. A vida acaba sempre por fazer isso por mim. Sempre inventando jeitos de bagunçar o meu destino. Sempre recomeçando depois de cada maldito fim. E eu confesso, acabo por concordar. Sento no chão. Pego a coleção. Procuro outra cor. De novo, tento pintar. Acontece que o tom sai sempre o mesmo. Mesmo quando tento misturar. As cores que eu já conheço, formando mais desenhos que eu não quero mais pintar.