sábado, 5 de janeiro de 2013

#48

O mesmo cheiro. A mesma maneira de mexer os dedos de um jeito esquisito. A mesma forma de olhar com o queixo um pouco inclinado pra baixo. Os mesmos provérbios que sempre custo entender. O mesmo sorriso sarcástico e o mesmo tom crítico. As coisas não mudam mesmo. Até mudarem.

#43

Cada um gritando mais alto que o outro. A altura aumentando proporcionalmente ao tamanho da vontade de sair e sentar na calçada. Mas sempre o que mais doía era a forma como tudo voltava ao normal depois. De um jeito tão irônico, que só servia pra me tacar na cara como tudo aquilo aconteceria novamente. E eu sabia. Mesmo com os olhos bem fechados, mesmo as vozes estando abafadas pela porta encostada, eu sabia que aconteceria quantas vezes a falta de bom senso pudesse permitir.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

#44

Vi aquela menina no espelho e senti vontade de rir. Quem estava do lado de dentro daqueles míopes olhos castanhos? Aqueles, escondidos atrás do cabelo enferrujado, um pouco acima das marcas das sardas e da insônia?

domingo, 30 de setembro de 2012

#45

Então um navio veio buscá-la. Não se sabe se pelo brilho do farol com ar suplicante, ou se pelas ondas e pelo vento que são mesmo só acaso do destino. Mas ele veio. Veio com seu ar imponente, as velas içadas, o leme voltado em sua direção. Atracou no seu cais, a esperou embarcar e então a tirou dali, fazendo-a dormir pra sempre com o doce balanço do mar.

#46

A coruja é um animal imponente. Possui hábitos notivagos e vôo silencioso. Engole suas refeições por inteiro, para depois vomitar pelotas inteirinhas, com pêlos e fragmentos de ossos. A superstição popular diz que adivinham a morte com o seu piar. Assim, por dedução, talvez a sua quedinha por corujas seja mera identificação.

#42

Um sentimento tão vago que faz até a estúpida frase fazer sentido. Solidão é se sentir só mesmo em meio a uma multidão. Pareço mais medíocre ainda me identificando. Talvez as coisas espalhadas e toda a sujeira sejam pra fazer a companhia agradável da qual os humanos não passam nem perto de fazer.

sábado, 22 de setembro de 2012

#41

Ela se sentou, respirou, deu uma olhada em volta. Enfim, completa. Sentiu tudo o que estava ao redor saindo do seu lugar de origem, se dissolvendo em rodopios de poeira no ar, e indo para dentro de suas narinas. Ela então, ao inalar, sentia o gosto de pó na boca. Na garganta. Preenchendo seus pulmões. Preenchendo cada espaço vago que havia. Completa. Tomada por uma certeza de que ali devia estar. Plena de si. Até o minuto seguinte.